Artes e Manhas

Artimanhas coletadas no dia a dia, mesmo que há algum tempo.

sábado, 25 de agosto de 2007

NA HORA DO ALMOÇO

Naquela época morávamos num sobrado, em Santana, na zona norte de São Paulo. Eram casas geminadas. Na frente, onde certamente tinha havido um pequeno canteiro de flores, tinha um chão revestido de cerâmica vermelha em cacos; não chegava a ser um mosaico, porque não tinha nem arte nem graça. Era onde estacionávamos o nosso fusca. A casa tinha dois andares, embaixo uma pequena sala e uma cozinha e em cima dois quartos e um banheiro. Nos fundos estávamos fazendo uma obra, aproveitando um espaço que havia no quintal para fazer mais um banheiro um pequeno quarto de empregada e encima um quarto para livros e leituras.

Um belo dia, por sinal muito ensolarado, Bambino e Mogi que estavam trabalhando em casa, o primeiro um pedreiro de mão cheia e o segundo o seu auxiliar, descansavam depois do almoço na calçada diante da casa.

Nós, eu e Vera, nos sentamos a mesa para comer. Era mais ou menos meio dia e meia e a Kombi que levava as crianças para escola tinha acabado de passar. A sensação era agradável, o cheirinho do bife frito que vinha da cozinha ao lado aumentava o apetite. Era um dia claro e calmo.

Mal tínhamos acabado de sentar tocou a campainha.

Fui atender, no portão um cara forte, de tez amorenada, de óculos escuros me falou:

- Bom tarde, o senhor não é amigo do Flávio, do posto de gasolina? Ele me falou muito bem do senhor. Que eu poderia lhe procurar. É o seguinte, minha mãe morreu e como eu estou desempregado, estou precisando que as pessoas me ajudem para poder enterrar minha mãezinha, até o final da tarde. O senhor poderia me ajudar?

Como a Vera era Assistente Social pensei em perguntar a ela se havia algum jeito de ajudá-lo.

Então falei:

- Meu amigo, a minha esposa é assistente social e eu vou perguntar a ela se há alguma coisa que possa ajudar o senhor. Espere um momento que eu já volto.
Entrei em casa e soube que a prefeitura dispunha de um serviço que ajudava as pessoas nestas circunstâncias.

Voltei feliz da vida com a informação para ajudar o pobre coitado que estava passando por uma situação terrível.

Ao abrir a porta, não vi mais o cara no portão. Então fui até lá para ver se o encontrava. Quando cheguei na calçada encontrei o Bambino e o Mogi sentados no chão fumando um cigarrinho e morrendo de rir.

E aí então o Bambino falou:

- Quase, né seu Zé? Quase caiu nessa. Foi por pouco, Heim!!!

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Drama na Avenida

Vinha dirigindo pela avenida Presidente Vargas, em direção ao centro, quando próximo à Central do Brasil, onde há um enorme cruzamento, tive que diminuir a marcha e depois parar, neste momento vivenciei uma cena chocante.

A avenida Presidente Vargas no Rio de Janeiro, para quem não conhece, é aquela que possui a espetacular Igreja da Candelária. Alguns estranham que esteja voltada de costas para a avenida. Mas, é que foi construída muitos anos antes de alguém pensar em rasgar, no meio daquele terreno pantanoso, uma via de oito pistas; naquela época todas as construções voltavam-se para a hoje Baía da Guanabara.

A propósito, estava eu a cogitar, o que pensariam, o padre e o sacristão que volta e meia tinham que correr atrás dos moleques arteiros que se escafediam pelos fundos do terreno inóspito, tudo isto em pleno século XVIII. Nem que fossem autores precursores da ficção científica, conseguiriam imaginar tal obra.

Vinha pela pista central quando parei. Surgiu então, ao lado da minha janela, de uma pequena “ilha” onde os pedestres se equilibram entre as pistas, uma senhora pequena e magra, marcada pela vida, carregando no colo com muito esforço uma jovem adolescente com a cabeça envolta num lençol branco. O aspecto era de uma criança deficiente mental.

Fiquei completamente chocado. Ainda mais eu que tive uma irmã gêmea com estas características. O coração apertou: quanta tristeza no meio de tanta pobreza. Como aquela senhora tão frágil conseguia cuidar daquela menina grande? Ela pedia uma ajuda. Meu reflexo foi de puxar imediatamente a carteira de dinheiro. Não me lembro direito qual foi o valor da esmola. Mas me lembro o quanto eu estava chocado.

O sinal de trânsito abriu e eu segui em frente.

Estava tão chocado que me voltei para trás para vê-las. A garota tinha pulado do colo da senhora e estavam rindo e se divertindo com o sucesso de sua peça, afinal tinham descolado uma bela graninha. E o otário ficou a pensar que tinha sido o espetáculo mais caro, por minuto, que certamente ele assistiria na vida. Mas enfim, menos mal que assim fosse.

domingo, 12 de agosto de 2007

Fila de cinema

Era um daqueles domingos chuvosos do mês de outubro no Rio de Janeiro. De tempos em tempos o inverno escolhia um dia específico do ano para dar as caras pela cidade. E aquele domingo havia sido eleito para ser o inverno da década. Tava super frio para os padrões cariocas e pensou que seria ótimo ir a um cinema no Leblon para assistir ao Guerra nas Estrelas. O filme estava super badalado e convinha chegar um pouco antes para poder pegar um bom lugar na sala de projeção. Escolheu a primeira sessão da tarde. A bilheteria ainda não havia sido aberta e já tinha quatro pessoas na fila. Ele começou a ler uma revista semanal que levava junto consigo. Uma garoa leve aumentava a sensação de frio e algumas pessoas estavam encapotadas e com casacos de inverno. A fila cresceu rapidamente, muitas pessoas tinham tido a mesma idéia.


Se algum fotógrafo registrasse a imagem daquelas pessoas umas atrás das outras, todas encaramujadas, e promovesse um concurso de adivinhações de onde estaria ocorrendo tal cena, certamente seriam citadas cidades de todas as partes do planeta, mas ninguém se arriscaria em apostar que se tratava de coisas da cidade maravilhosa.


Finalmente foi aberta a venda dos bilhetes. Quando não mais que de repente, surgiu uma senhora elegante que lhe dirigiu a palavra perguntando se poderia ficar a frente dele na fila.

Embora estivesse meio distraído em sua leitura, disse:


- Minha senhora não é justo que fure a fila. As pessoas estão esperando há mais tempo.


Qual não foi sua surpresa quando viu que ela se postou atrás dele na fila. Para ele parecia que ela não tinha ouvido o que ele lhe dissera. Então repetiu novamente que não era justo que ela furasse a fila. Ao que ela lhe disse:

- Basta apenas que o senhor continue conversando comigo...